segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Neurose

O termo neurose (do grego neuron (nervo) e osis (condição doente ou anormal)) foi criado pelo médico escocês William Cullen em 1787 para indicar "desordens de sentidos e movimento" causadas por "efeitos gerais do sistema nervoso". Na psicologia moderna, é sinônimo de psiconeurose ou distúrbio neurótico e se refere a qualquer transtorno mentalque, embora cause tensão, não interfere com o pensamento racional ou com a capacidade funcional da pessoa. Essa é uma diferença importante em relação à psicose, desordem mais severa.

[editar]Definição e utilização do termo

Neuroses são quadros patológicos psicogênicos (ou seja, de origem psíquica), muitas vezes ligados a situações externas na vida do indivíduo, os quais provocam transtornos na área mental, física e/ou da personalidade. De acordo com a visão psicanalítica, as neuroses são fruto de tentativas ineficazes de lidar com conflitos e traumas inconscientes. O que distingue a neurose da normalidade é assim (1) a intensidade do comportamento e (2) a incapacidade do doente de resolver os conflitos internos e externos de maneira satisfatória [1].

O conceito de neurose está assim intimamente ligado à teoria nosológica psicanalítica, ou seja, à maneira como a psicanálise explica a origem e o desenvolvimento dos transtornos mentais. Por isso psicólogos oriundos de outras escolas, sobretudo da terapia cognitivo-comportamental, foram levados a criticar o termo: como tais psicoterapeutas não trabalham com os conceitos psicanalíticos, um diagnóstico de neurose não tem para eles nenhum sentido prático. Essa crítica levou a uma modificação dos sistemas de classificação de doenças: os atuais sistemas de classificação dos transtornos mentais abandonaram uma abordagem nosológica e adotaram uma descritiva. Isso significa que os transtornos não são mais classificados pela suposta origem do transtorno (por esta ser controversa), mas por seus sintomas observáveis (por estes serem unânimes). Assim, na CID-9 havia uma categoria "Neuroses" de transtornos mentais própria, já com a publicação da CID-10 em 1994 o termo passou a ser usado apenas descritivamente (e não mais "neuroses", mas "transtorsnos neuróticos") e não para todas as categorias que ele tradicionalmente designava[1][2].

Segundo a CID-9, sob neurose entendem-se os seguintes grupos de transtornos mentais:

S. O. Hoffmann e G. Hochapfel[1] fazem notar que a atual classificação dos transtornos mentais, por ser meramente descritiva, não faz jus à complexidade dos transtornos mentais, reduzindo-os a seus sintomas observáveis. M. Perrez e U. Baumann[2] observam, por outro lado, que, apesar de não corresponderem a essa complexidade, os atuais sistemas representam uma base comum ao diálogo entre as diferentes escolas de psicoterapia.

Perversão

Perversão vem do latin perversione que corresponde o ato ou efeito de perverter, tornar-se perverso, corromper, desmoralizar, depravar, alterar. É um termo usado para designar o desvio, por parte de um indivíduo ou grupo, de qualquer dos comportamentos humanos considerados normais e/ou ortodoxos para um determinado grupo social. Os conceitos de normalidade e anormalidade, no entanto, variam no tempo e no espaço, em função de várias circunstâncias.

A perversão distingue-se da neurose e da psicose como modo de funcionamento e organização defensiva do aparelho psíquico. O termo é também freqüentemente utilizado com o sentido específico de perversão sexual, ou desvio sexual.

Na Psicanálise, perverso é toda pessoa que possui um modo de funcionamento psíquico baseado numa estrutura perversa. Ribeiro Filho, em breve artigo de revisão cita as colocações de Ferraz, 2002 (o.c.) e Janine Chasseguet-Smirgel quanto ao tema da perversão na obra de Freud, assinalando suas sucessivas e significativas alterações. Distinguiu três momentos essenciais dessa teorização. O primeiro modelo baseia-se no axioma: "a neurose é o negativo da perversão" publicado em "Três ensaios sobre a sexualidade" (Sigmund Freud,1905). O segundo momento relaciona-se com a teoria do complexo de Édipo, núcleo das neuroses e também das perversões. Já o terceiro momento, define a recusa da castração como mecanismo essencial da perversão. Uma interpretação psicanalítica de determinado padrão comportamental, considerado ou não como crime, leva em consideração esse referencial freudiano, de suas contribuições, não necessariamente auto-excludentes como veremos.

[editar]Histórico do conceito

Uma das primeiras aparições sobre o quadro de perversão na literatura especializada surge em 1806 com o psiquiatra Philippe Pinel sob o conceito de mania sem delírio. Este nome designava uma sindrome detectada pelos médicos medievais sob o rótulo de loucura moral. Neste diagnóstico estavam inscritos atos impulsivos e repetidos de destruição e mentiras patogênicas com a preservação da razão.

Foi na edição de Psychopathia Sexualis, feita pelo médico Krafft Ebing em 1886, que o termo perversão sexual surge nos diagnósticos médicos. Ebing faz uma longa classificação das perversões sexuais incluindo termos até hoje utilizados como o sadismo, o masoquismo, o fetichismo e a "sexualidade antipática" (referência ao que chamamos hoje de homossexualidade).

O conceito psicanalítico de perverso, é constituido na obra de Freud, nos Três Ensaios Sobre a Teoria de Sexualidade, publicado em 1905, apesar de que Freud já havia utilizado o termo em 1896, na Carta 52, e em seus estudos contidos no Caso Dora (publicado em 1905, mas escrito originalmente em 1901) . Nesta obra inicial Freud trata da perversão como desvio da conduta sexual que não visa a genitalidade. Toda criança, ao se autosatisfazer sexualmente, pode ser considerada perversa. Inicialmente o termo era restrito, no adulto, ao comportamento homossexual, sado-masoquista, fetichista, entre outras modalidades de cópula que não se orientavam pela penetração peniano-vaginal.

Com o passar dos anos Freud começa a perceber que a escolha narcísica de objeto, ou seja, a escolha homossexual de objeto feita de maneira recorrente pelos homossexuais, pedófilos e fetichistas denunciavam um modo de funcionamento psíquico e discursivo diferente das neuroses e das psicoses. Na Introdução ao Narcisismo, ao discorrer sobre seus estudos de patologia do "amor próprio", começou a ficar evidente a diferença entre as estruturas tipicamente narcisistas e os neuróticos e psicóticos.

Em 1919 Freud relaciona perversão e édipo, nos textos Uma criança é espancada: Contribuição ao estudo da origem das perversões, A dissolução do complexo de édipo, e A organização genital infantil: uma interpolação na teoria sexualidade. Nestes textos ainda não há uma indicação clara de um mecanismo específico que indique o caminho da perversão como uma estrutura. Aspectos da sexualidade perverso-polimorfa podiam estar presentes em qualquer estrutura, do doente ao normal, e por isso não poderia se definir por si só. O conceito de recusa aparece como um mecanismo normal da construção da sexualidade, que posteriormente é superado, a castração aceita e os desejos incestuosos, juntamente com os desejos de completude sucumbem ao recalque na "normalidade".

No texto Fetichismo de 1927 a recusa passa a ser entendida como um elemento permanente que, associado a cisão do ego (Spaltung), se tornam os mecanismos de defesa que marcam a estrutura perversa.

Em seu pequeno trabalho dedicado ao fetichismo Freud propõe que a chave desta forma de perversão se encontra justamente em uma duplicidade de atitudes diante da castração da figura materna: reconhecimento e repúdio a um só tempo. Ora, isto só é possível à custa de um processo dissociativo que, como torna-se evidente, incide no eu. Não se trata de uma degeneração ou incapacidade constitucional de síntese mas de um processo de defesa.

A patologia neurótica se caracteriza pelo recalque (Verdrängung) do desejo durante o Complexo de Édipo. A somatização de conversão histérica, por exemplo, esta ligada a um desejo sexual que não foi satisfeito pelas vias normais.

Na patologia psicótica há uma rejeição (Verwergung) da realidade e do Complexo de Édipo. Os delírios, alucinações e depressões são uma tentativa frustrada de dar sentido e lógica a uma visão de mundo particular.

Já na patologia perversa o que ocorre é recusa (Verleugnung) da Castração Edipiana. O perverso não aceita ser submetido as leis paternas e, em conseqüência, as leis e normas sociais. Ele não rejeita a realidade e nem recalca os seus desejos. Ele escolhe se manter excluído do Complexo de Édipo e da alteridade e passa a satisfazer sua libido sexual consigo mesmos (narcisismo). Este é o motivo de todo o perverso ter uma escolha homossexual de objeto, sendo representado por ele mesmo em alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto.

Em 1941 o termo psicopatia surge pela primeira vez na obra de Hervey Cleckley, A Máscara da Sanidade, sendo considerada uma das manifestações mais extremas da personalidade perversa. A psicopatia foi descrita através da excessiva manifestação de egocentrismo, incapacidade para o amor não narcisico, falta de remorso, vergonha ou culpa, tendência à mentira e à insinceridade, vida sexual impessoal, charme envolvente mas superficial, boa capacidade retórica, inclinação para se fazer de vítima e boa capacidade cognitiva sem comprometimento com a percepção da realidade.

Foi Jaques Lacan, no seminário de 1956, que transformou a perversão como opção de recusa da castração e da lei como estrutura psíquica singular a neurose e a psicose.

Uma das principais contribuições para a psicanálise neofreudiana surge com Masud Khan em 1981. Ele analisa a perversão em termos de relação e não mais de pulsões. Seu trabalho trata da "relação perversa", em que o sujeito é alienado de si mesmo e do objeto de seu desejo. Ele adaptou o conceito marxista de alienação para o quadro de uma psicanálise fenomenológica, observando que tanto Freud quanto Marx marcam simultaneamente o pensamento ocidental ao revelar as alienações internas e externas que o homem faz de si mesmo. No caso da perversão a alienação é mais séria pois ele se relaciona com os objetos como se fossem uma "colagem interna" que lhe seria imposta, deixando o "outro" enquanto ser num estado de ausência. Essa seria a origem dos sintomas e do sofrimento do perverso. Ele também defende a ideia de que o perverso tem uma organização identitária e defensiva baseada num falso Self, ou seja, os perversos não sentem ou manifestam seus próprios desejos e necessidades. Uma mãe insuficientemente boa não respeitaria os tempos, vontades e necessidades do filho nos primeiros anos de vida. Ao limitar os gestos essenciais da criança para impor as próprias necessidades de tempo, comida, espaço, valores religiosos e projetos de vida, por exemplo, esta mãe coibiu a manifestação dos processos e experiências de subjetividade da criança (seu verdadeiro Self). Não podendo experimentar o mundo por si mesmo a criança passa a criar objetos idealizados para si, como a mãe por exemplo, e submeter seus gestos a vontade de outros (surgindo o falso Self defensivo contra os próprios desejos). O perverso, na infância, é o retrato dos desejos inconscientes desta mãe e por isso ele já entraria no Complexo de Édipo sendo perverso e prédisposto a não aceitar a Lei paterna. A descrição dos processos perversos feita por Masud Khan questiona a posição de Freud e Lacan quanto ao surgimento da perversão durante o Complexo de Édipo. Outra posição contrária é que, para Khan, o perverso não busca "fazer o que ele deseja" sem se preocupar com os limites, como ensinam Freud e Lacan. Para este psicanalista os perversos, por serem constituidos de um falso Self, não podem "desejar". Só pode desejar algo quem sabe o que é e o que quer, ou seja, que tem um Self. O perverso se move pela inveja, ou seja, pelos desejos de outras pessoas. Os próprios desejos primevos recalcados pelo falso Self perturbam e os fazem essencialmente infelizes.

[editar]Características comportamentais

Segundo os diversos estudiosos da perversão alguns comportamentos são predominantes desta estrutura patológica.

  • Sedução: Ao contrário da histérica que seduz por impulso, por uma necessidade inconsciente, o perverso seduz com intenção de manipular e controlar as pessoas ao seu redor. Através da incitação sexual, do choro, ou da sedução de ordem financeira, entre outras, o perverso usa suas vítimas no seu leque de relacionamentos. O perverso sempre tira proveito da sedução.
  • Vampirismo: Os perversos sugam recursos e energias de outras pessoas para se manter existindo. É muito comum que um perverso, em vida adulta produtiva, continue recebendo rendimento de pais e parentes. Um perverso também pode tirar sua fonte de rendimento aplicando golpes no Governo (aposentadoria, por exemplo), ou criando situações onde possam receber indenizações de outras pessoas ou empresas. É comum, em mulheres, ficarem grávidas para só viverem de pensão. Os perversos são pouco afeitos ao trabalho próprio como meio de própria subsistência.
  • Escolha narcísica de objeto: Um perverso procura estabelecer relações mais intimas com aqueles que se assemelham com ele ou por quem ele tem inveja (ou seja, quer ser como). Sua escolha homossexual de objeto o leva a ter amor somente por si mesmo. Quase nunca leva em consideração os sentimentos e necessidades do outro. A escolha sexual, apesar de ser narcísica, não esta limitada ao homossexualismo. Há perversos que mantém relações sexualmente heterossexuais mas, psiquicamente, homossexuais. A opção homossexual também não se restringe a estrutura perversa podendo também aparecer nas psicoses, como bem observou Freud, Melanie Klein, Masud Khan e Lacan.
  • Mentira: O perverso é um mentiroso patológico. Ele saber mentir muito bem e sabe convencer as pessoas de que está certo. Utiliza de retórica sofística, demagogia e apelo emocional na mentira com o intuito de conseguir o que quer. Nas neuroses histéricas e na personalidade borderline também existe o fator mentira. A diferença é que o perverso a utiliza para tirar benefícios, lucrar e pode usar este recurso mesmo que isso traga prejuízo para outras pessoas. A teatralidade e a falta de constrangimento são marcas bem características.
  • Problemas com a autoridade/moral/lei: Lacan bem observa que um dos sintomas que se propagam após a castração dos desejos por parte da autoridade (pai), o perverso sente um imenso prazer em desafiar regras morais e legais. Eles se sentem desconfortáveis quando estão sob a autoridade de um chefe, parceiro, juiz, policial ou de qualquer outra função normativa. Quando são obrigados a aceitar uma ordem fazem o serviço mal feito ou sabotam o trabalho. Os perversos possuem um sistema de moral e de justiça muito peculiar baseado em sua centralidade narcisista.

[editar]Características psicosomáticas

Muitos autores como Masud Khan e Otto Kernberg perceberam, ao longo de seus estudos com pacientes perversos, alguns sintomas recorrentes de saúde. Estes problemas não se restringiam somente a doenças sexualmente transmissíveis, conscientemente atribuído a promiscuidade sexual e inconscientemente relacionado com a negação de gerar ou dar uma vida para outra pessoa. Problemas relativos ao aparelho procriador são constantemente relatados por estes pacientes.

Para os pósreichianos como Federico Navarro os problemas nos órgãos reprodutores são produzidos pelo fluxo de energia libidinal que, em relação com o sistema psíquico, produz sintomas que comprometem órgãos relacionados a fertilidade. A rejeição de se entregar verdadeiramente para uma pessoa, de ser solidário ou de ajudar o outro sem esperar um retorno pessoal causam um bloqueio energético específico nos níveis 3 e 7. Com exceção dos perversos que se utilizam do aparelho reprodutor e da capacidade de gerar filhos no intuito de explorar tal condição, uma boa parcela dos perversos retratam alguns problemas genitais específicos desde a adolescência. Apesar da orientação reichiana estas observações são compartilhadas por algumas linhas da psicologia, psiquiatria e psicanálise.

  • Homem: Alguns homens de estrutura perversa apresentam constantes feridas no pênis. Também apresentam uma contagem baixa de esperma desde a adolescência. Geralmente apresentam desajustes hormonais que comprometem o crescimento de pelôs em muitas partes do corpo como no toráx, sobrancelha, costas e genitais.
  • Mulher: Algumas mulheres de estrutura perversa relatam pequenas feridas ou manchas nos lábios genitais e vulvas. Desde a adolescência possuem problemas com o útero que comprometem seriamente a capacidade reprodutiva. É comum problemas hormonais que atrapalhem a ovulação e a possibilidade do surgimento de cistos. Os desajustes somáticos do aparelho reprodutor produzidos pela perversão podem, entre outras coisas, comprometer a saúde de um possível feto gerado.

domingo, 4 de setembro de 2011

Estruturas Clínicas - Neurose, Psicose e Perversão


A temática “Estruturas Clínicas” data dos anos 40 e seu estudo vai nos fornecer alguns elementos para pensar a questão do “diagnóstico estrutural”.
Os termos neurose, psicose e perversão têm um sentido específico e próprio na Psicanálise, não se expressam da mesma forma na Psicopatologia, onde são descritos como entidades mórbidas. Para a Psicanálise são estruturas de funcionamento da linguagem, ou seja, modos de subjetivação do ser falante, modos de inscrição da cria humana no universo simbólico, ou se usarmos o termo um tanto mais sofisticado falaríamos das possibilidades de entendimento do processo chamado “Antropogênese” (refere-se ao surgimento e evolução da humanidade - quer dizer um conjunto de ocorrências e fenômenos pelo qual a cria humana se inscreve na tessitura social como um animal simbólico). Isso significa que os termos neurose, psicose e perversão, na Psicanálise, que não trabalha com o contínuo normal/patológico, querem dizer, antes de mais nada, caminhos, escolha subjetivas.
A Estrutura Psíquica é uma organização: ela possui um conjunto ordenado de elementos, onde há uma regra, uma ordem (uma estrutura nunca pode ser pensada em termos de caos), tem um princípio de racionalidade, é dinâmica e tem funções e propriedades que se articulam.
O psiquismo portanto é uma estrutura pensada em termos de lugar e isto está colocado por Freud (cap. VII, livro V- “A Interpretação dos Sonho”) quando ele afirma que vai pensar o psiquismo a partir de um modelo ideal, em termos de imagens. Nesse momento ele está propondo uma estrutura. Este lugar que é pensado em termos da estrutura psíquica não é um lugar qualquer, quando Freud foi denominar a estrutura psíquica ele usou a palavra TÓPICA (tópica vem tópikós em grego que quer dizer lugar).
Os textos freudianos descrevem na Primeira Tópica (no modelo de 1900) – os sistemas Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente. São sistemas que funcionam, que se articulam, por isso mesmo podem ser pensados como uma estrutura. Na Segunda Tópica, aparece no livro “O Eu e o Isso”, onde aponta três instâncias (o Eu, o Isso e o Supereu). Na releitura de Lacan nós poderíamos pensar o Real, o Simbólico e o Imaginário como uma tópica.
Para que possamos definir esse lugar temos que usar a idéia de trans/formação. Se nós pegarmos um texto freudiano vamos ver que num dado momento Freud diz que uma representação, dependendo de uma determinada soma de excitação, pode fazer parte do pré-consciente, do inconsciente ou da consciência. Quer dizer, se você investir, desinvestir, ela (a representação) vai mudar de estado, mas a representação seria a mesma. Então a idéia é essa: conhecidas as propriedades nós podemos pensar em transformação. Podemos pensar a partir dessa noção em termos de espaços diferenciados. O inconsciente, pré-consciente e consciente são espaços diferenciados, regidos por leis e propriedades próprias (processo psíquico primário, processo psíquico secundário, princípio do prazer, princípio da realidade). A mesma leitura podemos fazer em relação ao Isso – Eu - Supereu, cada um tem suas características próprias. Então podemos pensar o psiquismo em termos de espaço, movimento e uma lógica interna. Essa é a idéia de estrutura: quer dizer, seria a possibilidade de se passar de um lugar a outro, mas essa passagem implica sempre “transformação”. Quando se fala de estrutura psíquica estamos falando de funções, sistemas, relações, articulações e quando Freud rompe com esse contínuo normal e patológico ele vai propor a idéia de que todos nós nos humanizamos a partir da constituição de uma estrutura psíquica. Essa estrutura é virtual, tal qual é a estrutura das linhas de quebradura de um cristal.
A inscrição da cria humana no universo simbólico, é o momento constitutivo dessa estrutura. A partir daí existem duas possibilidades, uma delas desdobrada em 3 alternativas:
Primeira possibilidade: Não inscrição no universo simbólico. Não constituição de uma estrutura. Nessa primeira possibilidade, a cria humana não se inscreve no universo simbólico, então não há estrutura.
Segunda possibilidade: em se dando a inscrição no universo simbólico. A inscrição se faz pela estrutura. Existem três caminhos possíveis: a via que vai pela NEUROSE, uma outra possibilidade a PSICOSE, e uma outra a PERVERSÃO.
A inserção do humano se dá por esses três caminhos. Por qualquer desses caminhos ele se humaniza – sempre na inscrição simbólica. Isto quer dizer que o ser falante encontra-se num desses três lugares (neurose, psicose ou perversão). Essa idéia é de extremo valor para se pensar todas as questões que concernem à clínica psicanalítica. Primeiro porque essa questão de normal e patológico cai por terra. Por que o que é ser normal? Normal é qualquer sujeito que fez uma escolha por qualquer um desses caminhos, cuja estrutura não se quebrou. Então o que chamamos de normalidade é qualquer dessas estruturas que não se quebrou. Enquanto a estrutura não quebra os seres humanos estão na estrutura chamada “normalidade”. Cada estrutura se quebra de uma maneira própria e tem pessoas que morrem sem a estrutura se quebrar. Freud certa vez escreveu: nem todas as pessoas que foram às guerras enlouqueceram. Quais as que enlouqueceram? Aquelas que na sua estrutura tinham um ponto vulnerável, e aquela situação foi suficiente para desencadear a quebradura daquela estrutura.
No mundo de hoje em que vivemos as exigências do cotidiano talvez favoreçam a que estruturas com seus pontos vulneráveis se quebrem. Existem sujeitos que dão mais sorte do que outros (porque alguns vivem toda a sua vida e a estrutura não se quebra, mas há outros que a estrutura se quebra muito cedo na vida e aí o sujeito tem que se haver com essa questão pela vida afora). Apesar de sabermos que toda estrutura tem um ponto vulnerável, não sabemos nunca o que é que a faz estrutura quebrar (se não se conhece as linhas de quebra não se pode saber como vai quebrar). Fica claro porém que todos nós temos um ponto na nossa estrutura que é vulnerável.
É por isso que não existe, em termos de doença psíquica, a psico-profilaxia. É claro que podemos saber que determinadas condições causam danos e podemos evitar essas condições, será muito bom, porém profilaxia e prevenção não existem (medicamentos não fazem prevenção).
A rigor, nada garante a eficácia de uma estrutura. Existem situações, em relação às quais nós não temos como enfrentá-las. Se tivermos a sorte de não nos depararmos com essa situação, essa estrutura se manterá. Portanto, o que chamamos de normalidade é um estado e este estado é temporário, apesar de ser um temporário que pode durar toda a vida do sujeito.